Instituto Libertário Cristão
Dr. Norman Horn
Este artigo foi publicado originalmente no LewRockwell.com em setembro de 2007, com o título “Teologia do Novo Testamento sobre o Estado”. Em abril de 2008, ganhou o prêmio de Best New Paper Award [o prêmio Melhor Artigo Novo] no Christian Scholars Forum na University of Texas, em Austin. Eu examino a natureza do Estado nos Evangelhos, focando nas Tentações de Cristo e na famosa passagem “Dai a César”. Mais adiante no artigo, o foco muda para Romanos 13 e para a aplicação
Questões envolvendo a Igreja e o Estado continuam sendo fonte de muitos conflitos entre os cristãos hoje em dia, resultando em uma confusão gigantesca sobre o que de fato vem a ser uma teologia bíblica do Estado e que política pública ela acarreta. Essa confusão com frequência suscita respostas constrangedoras a indagações importantes no tocante à relação dos cristãos com o governo, tais como “Que tipo de governo um cristão deveria apoiar?”, “Que política pública deveria ser obedecida?”, ou “O que significa submissão ao governo?”.
A maioria dos cristãos tenta dar uma justificativa bíblica à sua filosofia política usando, em certa medida, Romanos 13, quando o fazem. À primeira vista, essa parece ser uma solução aceitável – Paulo parece invocar uma submissão ao governo. Mas como reconciliamos essa passagem com o fato inegável de que indivíduos que agiam dentro dos conluios coercivos dos estados são os maiores culpados pelas ações criminosas e pela violência na história da humanidade?
Na Alemanha, durante as décadas de 1930 e 1940, por exemplo, os teólogos costumavam usar Romanos 13 a fim de estimular a submissão ao regime nazista, especialmente dado que tal regime foi eleito de maneira democrática. Mais recentemente, um membro do parlamento zimbabuano declarou que o corrupto ditador-presidente Robert Mugabe foi enviado por Deus e que “não deveria ser desafiado nas votações decisivas do ano seguinte”. Certamente, essas são formas inapropriadas de se usar as Escrituras; mas, em que medida nós, que vivemos nos Estados Unidos, que somos uma nação que costuma se declarar cristã, somos diferentes? Devemos simplesmente obedecer ao governo, porque assim diz a Bíblia, ou há mais em jogo?
É óbvio que a Igreja precisa de um critério melhor a fim de avaliar a natureza do Estado e as consequências para a política pública. Eu proponho começar esse processo de avaliação pela análise de algumas passagens do Novo Testamento que parecem tratar da relação dos cristãos com o governo civil, em especial a partir do que encontramos nos evangelhos e em Romanos 13.
O primeiro passo na direção de desenvolver uma teologia bíblica do governo deve ser o exame dos ensinamentos de Jesus. O que Jesus disse e fez que nos ajuda a entender quais deveriam ser as nossas respostas ao governo? Geralmente aqueles que querem obter, a partir dos evangelhos, princípios bíblicos sobre o governo voltam-se para a famosa passagem “Dai a César”, evento registrado em todos os evangelhos sinóticos (Mateus 22: 15-22, Marcos 12: 13-17, Lucas 20: 20-26). É esse, entretanto, o único texto do evangelho que vale a pena ser discutido quando a questão envolve o governo civil? Na minha opinião, não. É igualmente possível obter informações importantes a respeito da natureza do Estado por meio das tentações de Jesus e de uma breve comparação entre o reino do homem e o Reino de Deus.
Começaremos com uma análise das passagens “Dai a César”, examinando inicialmente o texto de Mateus12 22: 15-22:
15 Então os fariseus saíram e começaram a planejar um meio de enredá-lo em suas próprias palavras. 16 Enviaram-lhe seus discípulos junto com os herodianos, que lhe disseram: “Mestre, sabemos que és íntegro e que ensinas o caminho de Deus conforme a verdade. Tu não te deixas influenciar por ninguém, porque não te prendes à aparência dos homens. 17 Dize-nos, pois: Qual é a tua opinião? É certo pagar imposto a César ou não?” 18 Mas Jesus, percebendo a má intenção deles, perguntou: “Hipócritas! Por que vocês estão me pondo à prova? 19 Mostrem-me a moeda usada para pagar o imposto”. Eles lhe mostraram um denário, 20 e ele lhes perguntou: “De quem é esta imagem e esta inscrição?” 21 “De César”, responderam eles. E ele lhes disse: “Então, deem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. 22 Ao ouvirem isso, eles ficaram admirados; e, deixando-o, retiraram-se. (Mateus 22: 15-22, NVI)
Em Mateus, os fariseus enviaram alguns dos seus discípulos juntamente com herodianos até Jesus, no templo, a fim de “enredá-lo em suas próprias palavras”. O evangelho de Marcos diz que “eles enviaram alguns fariseus e herodianos a Jesus”, era muito provável que esses homens fossem chefes dos sacerdotes, mestre da lei e líderes religiosos (anciãos) mencionados em Marcos 11:27. Curiosamente, Lucas identifica os questionadores como “espiões” dos sacerdotes, dos mestres e dos anciãos. A identidade desses inquiridores não era trivial. De fato, os fariseus e os herodianos tinham diferenças categóricas nas suas filosofias. Os herodianos eram pró lei romana e usavam o poder romano para obter certos benefícios. Os fariseus, por outro lado, eram mais ambivalentes em relação aos romanos; os fariseus, no geral, tolerariam os romanos contanto que estes deixassem em paz as práticas religiosas judaicas. Entretanto, os fariseus e os herodianos acabaram se unindo devido à sua oposição conjunta a Jesus.
Em cada evangelho, a questão é introduzida de diferentes maneiras, mas a formulação da questão propriamente dita é sempre a mesma: “É lícito pagarmos impostos a César ou não?”. A pergunta é muito engenhosa. Os herodianos seriam a favor do pagamento do imposto a César, e, se Jesus respondesse negativamente, eles teriam motivos para prendê-lo por rebelião contra César. Por outro lado, os fariseus de modo geral não seriam favoráveis ao imposto (embora fossem obrigados a pagá-lo), e uma resposta afirmativa provavelmente faria Jesus perder seu apoio popular. Aliás, há uma sutiliza legal na elaboração da pergunta quando ela é feita iniciando pela expressão “É lícito”, ou como em algumas traduções “É permitido”. Em suma, é como se os fariseus estivessem perguntando “Está em conformidade com a Torá (a lei judaica) pagar impostos a César ou não?”. Todos os presentes conheciam a Lei e as palavras de Levítico 25:23, “A terra [de Israel] não pode ser vendida de forma definitiva, porque a terra é minha”. A questão agora é mais complicada ainda, pois a Torá como um todo podia estar em risco. Uma vez que César estava tentando tomar a terra de Deus, não seria uma desobediência pagar o imposto?
Jesus percebeu a armadilha, é claro, e responde, por sua vez, usando uma estratégia astuciosa.
Ao pedir aos fariseus que mostrassem uma moeda, eles sem querer acabaram apresentando uma evidência que expunha a sua hipocrisia. Jesus perguntou-lhes de quem eram a imagem e a inscrição que estavam na moeda. Eles respondem, provavelmente de maneira relutante, “São de César”. Mas eles, e as pessoas que também estavam presentes, perceberam o seu erro, pois as inscrições nessas moedas sempre diziam, “Tibério César, Augusto, filho de Augusto deificado, sumo sacerdote”. Os fariseus, aqueles líderes que pretendiam salvaguardar a lei de Deus, haviam trazido para dentro do templo um item que efetivamente quebrava o segundo mandamento, não possuir imagens gravadas, manifestando que, nos seus corações, eles haviam também quebrado o primeiro mandamento. Eles, não Jesus, eram os hipócritas. Eles são os que aderiram ao sistema pagão romano. Na avaliação do comentarista Thomas Long, a resposta de Jesus implicava “Todos devem decidir entre César e Deus. Ninguém pode servir a dois senhores (Mateus 6:24). Vocês parecem ter tomado a sua decisão, criado seu compromisso de conveniência. Mas e quanto à sua obrigação para com Deus? Entreguem a Deus o que pertence a Deus. Escolham neste dia a quem vocês irão servir” (p. 251).
Se essa interpretação estiver correta, então não há, de fato, nenhuma diretriz estabelecida aqui para resolver questões entre igreja e estado. As práticas do estado não são legitimadas aqui de forma alguma. Pelo contrário, Jesus diz que qualquer esquema de divisão na vida que criamos deve ser derrubado, e desencoraja o nacionalismo ou o chauvinismo como prática legítima da igreja. Podemos viver sob um estado, mas pertencemos inteiramente ao Deus que está acima de todos os estados. Devemos sempre dar a Deus o que é de Deus.
Um indício interessante a respeito da natureza do Estado pode ser visto nas tentações de Jesus (Mateus 4:1-11; Lucas 4:1-13), aspecto sobre o qual poucos comentaristas se debruçaram. Em Mateus, a terceira tentação de Cristo refere-se aos “reinos do mundo e seu esplendor”, os quais Satanás pode dar a Jesus se ele o adorar. Estranhamente, mesmo que Satanás seja considerado “o Príncipe [dominador] deste mundo (João 12:31, 14:30, 16:11), nós com frequência não consideramos seriamente o significado da oferta de Satanás. Eu acho que o Diabo estava sendo muito sincero na sua oferta; Jesus não a desconsiderou como impossível. Jesus parece aceitar que os reinos deste mundo de fato pertencem ao Diabo, e nós não devemos pensar de outra forma.
Logicamente, isso quer dizer que os reinos deste mundo estão em inimizade com Deus. Na verdade; em vários lugares, as Escrituras dão testemunho disso direta e indiretamente. O Velho Testamento veementemente assinala que as religiões pagãs, com frequência encorajadas pelo Diabo através das suas práticas de feitiçaria e bruxaria, estavam intimamente ligadas a alguma liderança política da nação. G. K. Chesterton concorda com essa avaliação e traz evidências históricas no seu livro O Homem Eterno. Herodes percebe claramente que o Menino Jesus bebê é uma ameaça ao seu poder, e, portanto, ordena a matança de centenas, senão de milhares de crianças em uma tentativa de dar um fim a essa possibilidade (Mateus 2). Além disso, a temática da Babilônia como um Estado demoníaco sob a influência do Diabo permeia todo o livro do Apocalipse. No capítulo 18:4 do livro, Deus exorta sua Igreja “saia dela [Babilônia], povo meu, para que vocês não participem dos seus pecados, para que vocês não recebam qualquer uma das suas pragas”.
Para fins deste debate, é ilustrativa uma breve discussão sobre as diferenças entre o reino dos homens e o Reino de Deus. Um dos temas recorrentes nos evangelhos, especialmente em Mateus, é o de Jesus ser um rei trazendo o Reino de Deus. Mas Jesus explicitamente diz, “Meu reino não é deste mundo… meu reino não é daqui” (João 18:36). As “regras do reino” como explicadas no Sermão do Monte são diferentes de quaisquer leis de Estado que alguma vez tenham existido. Além do mais, não é tarefa do cristão usar força física para trazer seu [de Deus] reino, pelo contrário, é tarefa dele “buscar em primeiro lugar o seu reino e sua justiça” (Mateus 6:33). Os reinos do homem estão fundados sobre poder e violência, mas o Reino de Deus está fundado sobre a humildade (Mateus 18:4), o serviço (Mateus 20:26) e o amor (João 13:35). Ao mesmo tempo em que não podemos estar amarrados aos Estados neste mundo, somos lembrados mais uma vez que “a nossa cidadania está no céu” (Filipenses 3:20).
Em resumo, os ensinamentos diretos de Jesus sobre governo civil são virtualmente não existentes, mas os evangelhos fazem fortes implicações sobre a natureza do Estado que podem nos surpreender. O Estado parece ter uma forte conexão com o Diabo e seu reino e está em antítese com o Reino de Deus, que empurra para longe o uso de poder para ganho pessoal.
Embora nos evangelhos sejamos fortemente compelidos a desenvolver uma teologia detalhada sobre como os cristãos devem interagir com o Estado, são as epístolas de Paulo e de Pedro que abordam mais a fundo essas questões. Romanos 13:1-7 é a exposição mais clara sobre governo civil, mas outros trechos significativos das Escrituras incluem Tito 3:1-3, 1 Timóteo 2:1-3 e 1 Pedro 2: 11-17. Contudo, para sermos breves, apenas Romanos 13 será examinado em detalhes. A análise que se segue beneficiou-se muito dos trabalhos do Dr. John Cobin, em especial de seus livros Bible and Government e Christian Theology of Public Policy, os quais, na minha opinião, oferecem a melhor e mais detalhada proposta para integrar essa passagem a um entendimento consistente de uma teologia de política pública.
Paulo era um cidadão romano de nascimento e até mesmo chegou a valer-se da sua cidadania a seu favor em uma ocasião em Atos 22 e 23. Ainda assim, era um “hebreu de hebreus” e um fariseu no que diz respeito à lei de Deus (Filipenses 3:5). Consequentemente, pode-se esperar que ele, como os fariseus nos evangelhos, tivesse um certo ressentimento em relação aos romanos devido ao governo deles sobre a terra de Israel. No entanto, em Romanos 13, Paulo parece ter uma atitude bastante positiva a respeito do governo romano. Uma compreensão “mais literal” do texto pode levar alguém a acreditar que o Estado é uma força muito benéfica na sociedade e talvez até mesmo uma instituição divinamente ordenada da mesma forma que são divinamente ordenadas a família e a igreja.
Eu não acho, entretanto, que essa forma de interpretação esteja assegurada. Admoestações apostólicas no que tange ao governo civil não podem ser facilmente reconciliadas com uma leitura casual e simplificada dos textos do Novo Testamento. Do contrário, você concluiria que os apóstolos ou estavam errados, falando de dentro de um contexto cultural irrelevante, ou eram desequilibrados. Quando se considera o contexto histórico real de Romanos 13, ao invés de derivá-lo a partir das Escrituras como ideias puramente abstratas, emerge uma leitura surpreendente.
Para ilustrar isso, como a interpretação mudaria se alguém substituísse as palavras “autoridades governantes”, “governantes” e os pronomes pessoais pelos nomes do imperador e dos reis daquela época, a saber, Nero, Herodes ou Agripa? O texto seria lido da seguinte forma:
1Todos devem sujeitar-se a Nero e Herodes, pois não há autoridade que não venha de Deus; Nero e Herodes foram por ele estabelecidos. 2 Portanto, aquele que se rebela contra Nero e Herodes está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos. 3 Pois Nero e Herodes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. Você quer viver livre do medo de Nero e Herodes? Pratique o bem, e Nero e Herodes o enaltecerá. 4 Pois Nero e Herodes são servos de Deus para o seu bem. Mas se você praticar o mal, tenha medo, pois Nero e Herodes não portam a espada sem motivo. Nero e Herodes são servos de Deus, agentes da justiça para punir quem pratica o mal. 5 Portanto, é necessário que sejamos submissos a Nero e Herodes, não apenas por causa da possibilidade de uma punição, mas também por questão de consciência. 6 É por isso também que vocês pagam imposto, pois Nero e Herodes estão a serviço de Deus, sempre dedicados a esse trabalho. 7 Deem a cada um o que é devido a Nero e Herodes: se imposto, imposto; se tributo, tributo; se temor, temor; se honra, honra. (Romanos 13:1-7, NVI)
Como os cristãos de hoje devem interpretar esse trecho sabendo que Nero estava no poder no momento em que Paulo escreveu? Como podemos resolver o problema de saber que Nero matou pessoas boas, a saber, cristãos, quando a passagem claramente diz que o governo civil recompensa e elogia aqueles que fazem o bem?
Claramente, o problema da interpretação não é resolvido com uma máxima imutável tão simples quanto “façam o que o governo diz”. Mas o Velho e o Novo Testamento, em múltiplas ocasiões, manifestam que isso não é certo ou verdadeiro. Alguns exemplos incluem:
O texto em Romanos 13 pode ser mais bem compreendido por uma apreciação do contexto histórico e sentido evidente através da Escritura e da experiência do que por uma interpretação sem grandes explicações, como muitos cristãos geralmente fazem.
1Todos devem se sujeitar às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas.
O versículo 1 afirma que as autoridades são instituídas por Deus. A mensagem inicial de Paulo para os cristãos, contudo, não é que os Estados são especialmente instituídos da mesma maneira que a família e a igreja o são, mas que o Estado não está operando fora dos planos de Deus.
Nesse sentido, o Estado é divinamente instituído da mesma forma que o Diabo é divinamente instituído. Deus não fica surpreso quando os Estados agem do jeito que agem. Como especificamente observado nos Evangelhos, o Estado é apresentado ao longo das Escrituras como estando intimamente ligado a Satanás e ao seu reino, e manifestamente em oposição ao Reino de Deus. O status do Estado dentro dos planos de Deus, em última instância, não legitima o mal que o Estado comete.
A submissão ao governo civil, então, é sempre reconhecida. O mandamento é para ser obedecido de um modo geral, mas, às vezes, iremos desobedecer a uma determinada política pública devido a uma convicção pessoal e bíblica. Os cristãos devem obedecer à maioria das políticas sempre que diretamente solicitados a fazê-lo, mas garantir uma atitude de conformidade com todas as políticas não é necessário.
Toda submissão é direcionada a ser expediente e prática em relação aos homens e a glorificar a Deus. Cobin explica que: “Qualquer problema de pecado por desobediência surge apenas quando a ação de alguém é imprudente, envolve má administração, exige a negligência dos deveres familiares ou desvia do propósito principal do crente na vida”.(Christian Theology of Public Policy, 120).
2 Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos. 3 Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. Você quer viver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá. 4 Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal.
Os versículos de 2-4 mostram que se você provoca o Estado, então você irá enfrentar ira, mas se você se comporta da forma como o Estado deseja, então ele ficará satisfeito. Em muitos aspectos, o que o Estado define como bom e mau pode ser muito diferente do que Deus define como bom e mau. Mas o que Paulo está dizendo aos crentes em Roma é que, se eles fizerem algo que o governo romano define como mau, então é provável que eles sejam punidos por isso.
Não podemos abstrair esse versículo do seu contexto cultural e torná-lo em uma exigência absoluta para todas as culturas de todos os tempos.
Fazê-lo seria colocar os cristãos sob um pesado jugo da política pública ruim. Não há nenhuma razão imprescindível para pensar que Paulo estava deliberadamente escrevendo a respeito de qualquer governante além daqueles do Império Romano do primeiro século.
Paulo conhecia muito bem o poder de Nero e do mal iminente que ele poderia causar aos cristãos em Roma – ele chama esse mal de “a espada” – e Paulo não quer que os crentes sejam perseguidos por qualquer outra coisa que não seja pelo nome de Cristo e por aquilo que esse nome representa. Paulo, contudo, lembra os cristãos romanos que até mesmo o terrível poder do Estado não está fora do poder de Deus. A mensagem do apóstolo para eles é a mesma que está em Romanos 8:28, a de que “8 Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito”. O Estado pode de fato ser uma forma de santificação da igreja do Senhor.
5 Portanto, é necessário sujeitar-se, não apenas por causa da ira, mas também por questão de consciência. 6 Por essa mesma razão, vocês também pagam impostos, pois as autoridades são servas de Deus, dedicadas a esse serviço. 7 Pagai a todos o que lhes é devido: imposto a quem imposto, tributo a quem tributo, respeito a quem respeito, honra a quem honra.
Os versículos de 5-7 expandem as razões para a submissão e acrescentam formas práticas segundo as quais os cristãos romanos poderiam responder à mensagem de Paulo. Cobin diz que “A razão pela qual devemos nos submeter ao governo é para evitar a ira ou a preocupação de sermos prejudicados pela autoridade estatal. Deus não quer que nos enredemos nas questões deste mundo a ponto que tais envolvimentos nos desviem da nossa missão principal (Christian Theology of Public Policy, 125).
A palavra ‘consciência’ no versículo 5 deveria ser interpretada de maneira similar como em 1 Coríntios 10 (no que diz respeito à comida sacrificada aos ídolos). Os crentes estavam preocupados que o Estado romano encontrasse um motivo legal para persegui-los. Não se pode usar esse versículo em um sentido absolutista para dizer que os cristãos jamais possam participar de um processo de remoção de qualquer autoridade, como na Revolução Americana. Paulo igualmente estimula os cristãos a “vencer o mal com o bem”, conforme apresentado em Romanos 12:21 (isso inclui a autoridade má), e a trabalhar para ser livre tanto quanto possível (1 Coríntios 7:20-23).
Paulo também diz para se submeter ao pagamento de impostos pela mesma razão: evitar a ira do estado para viver para Deus. Alguém pode desprezar pagar impostos, mas para evitar a ira do estado, paga-os. Da mesma forma, “pagar a todos o que lhes é devido” é um mandamento pelo mesmo propósito, especialmente considerando a tumultuada situação política da época. Mas isso significa que um homem peca se cometer um erro em sua declaração de imposto de renda federal? Paulo provavelmente responderia que não. Os impostos modernos são muito diferentes dos impostos romanos. Na verdade, a palavra grega para “impostos” no versículo 7 é mais precisamente traduzida como “tributo”, que é especificamente o imposto per capita (ou “imposto de cabeça”) em um censo municipal romano.
Os romanos enviavam soldados de casa em casa, contavam os moradores, calculavam o imposto, e exigiam pagamento completo e imediato. Se um cristão não atendesse imediatamente, então ele, sua família e possivelmente seus irmãos na fé estariam em um iminente e sério perigo. Paulo aconselha-os a não resistirem a esses homens quando eles fizessem isso, simplesmente paga-se o imposto. A recusa ao pagamento iria identificá-los como parte dos que se rebelam contra os impostos e dos caciques políticos da época, e daria aos romanos um motivo para perseguir os cristãos em Roma e possivelmente em todo o império. Paulo queria que os cristãos romanos evitassem se tornar espetáculos públicos e alvos do governo.
Como um princípio geral, os cristãos modernos deveriam agir da mesma forma quando uma ameaça da força do Estado estiver sobre eles, seja em relação aos impostos ou a outros aspectos. Entretanto, os impostos modernos com frequência não funcionam dessa maneira; tributos e tarifas não são formas culturalmente transcendentes de pagamento de impostos. Consequentemente, não se pode dizer que alguém esteja pecando se cometer um erro na declaração do imposto de renda. Cobin iria até mais longe ao dizer que alguns impostos podem ser completamente ignorados sem culpa (Christian Theology of Public Policy, 129).
Romanos 13 não é uma declaração geral e abstrata que exige submissão a todas as leis do Estado, em todos os lugares, em todas as circunstâncias, em todos os tempos. Nem é uma prescrição que indique qual forma particular de governo é sancionada por Deus ou como os Estados devem agir. O contexto e a formulação histórica exigem que sejamos cuidadosos quando se fala sobre como a submissão dos cristãos ao Estado deve se parecer.
A obediência cristã ao governo tem como propósito uma vida aconselhavelmente pacífica e que não traga desonra ao nome de Cristo. Nós não somos obrigados a seguir cada linha da política pública. Além do mais, não se deve esperar que sigamos qualquer lei que vá contra a lei de Deus. Se for para sermos perseguidos, deveria ser pelo nome de Cristo e por aquilo que esse nome representa, não por nos recusarmos a seguir alguma lei aleatória quando diretamente ameaçados por medidas estatais.
Concluindo, o desenvolvimento de uma teologia do Estado a partir do Novo Testamento é compreensivelmente difícil. Examinando os evangelhos, percebe-se que o Estado não está, de forma alguma, relacionado ao Reino de Deus, e que, de fato, o Estado fica ao lado do Diabo em oposição direta a Deus. O encontro com Jesus, da passagem “Dai a César”, não legitima o Estado e não forma a base de uma interação dos cristãos com o governo. Finalmente, um entendimento completo de Romanos 13, levando em consideração o contexto apropriado, ajuda-nos a tomar melhores decisões dentro de qualquer autoridade estatal sob a qual nos encontremos.
*Este artigo foi originalmente publicado no Libertarian Christian Institute.
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